[Livros Na Telona] Ensaio Sobre A Cegueira - José Saramago - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
20

maio
2015

[Livros Na Telona] Ensaio Sobre A Cegueira – José Saramago

ensaio sobre a cegueira_filme

Sobre o Livro

Ensaio sobre a cegueira
Título: Ensaio Sobre A Cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 312
Ano de Publicação: 1995
Skoob: Adicione
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Resenhar Saramago é uma tarefa e tanto: corre-se o risco de não ser possível transmitir toda a intensidade e genialidade de sua obra, talvez só possíveis de serem compreendidas, de fato, através da leitura de seus livros. Tive meu primeiro contato com sua escrita por meio de Ensaio Sobre A Cegueira, obra desejada por mim há tempos, tanto pelo seu renome quanto por ter assistido ao filme, dirigido por Fernando Meirelles e adaptado por Don McKellar em 2008.

Em Ensaio Sobre A Cegueira, um homem repentinamente perde a visão enquanto espera um semáforo abrir. Aos poucos, cada pessoa com quem ele teve contato passa também a cegar, espalhando misteriosamente pela cidade a cegueira branca, como é chamada, uma vez que traz a sensação de um leite ter sido derramado sobre as vistas. Os primeiros a se tornarem cegos são enviados a um manicômio fora de serviço e isolado para permanecerem em quarentena. Dentre eles, segue a mulher do médico, um dos novos cegos. Ela, contudo, é a única que inexplicavelmente teve a visão preservada, apenas colocada em quarentena por ter mentido e, assim, tornado possível acompanhar seu marido.

Ensaio sobre a cegueira 1

 

A escrita de Saramago é um tanto quanto peculiar e, inicialmente, pode causar certo estranhamento a quem não está acostumado com ela: por ter nascido em Portugal, a editora preservou o vocabulário e as estruturas do português lá utilizado e que, em alguns momentos, difere do nosso. Também, o autor mescla narrativa e diálogos, separados apenas por vírgulas e identificados por iniciais maiúsculas a cada nova fala. Contudo, tais características em nada prejudicaram minha leitura; ao contrário, contribuíram para meu total envolvimento com a obra.

 

“Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tornando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis.”

página 16

 

Desde o início já fui arrebatada pela narrativa. Saramago faz fortes apelos visuais no primeiro parágrafo do livro e, logo em seguida, traz bruscamente a cegueira do primeiro cego, possibilitando ao leitor também ser atingido por essa mudança abrupta. E as sensações trazidas pelo autor continuam por todo o enredo, ora visuais, pela visão da mulher do médico, e majoritariamente olfativas e táteis, talvez ainda piores do que as primeiras. Da mesma forma, os sentimentos das personagens são completamente evidentes e capazes de afetar inteiramente o leitor. A combinação desses com os organolépticos resultaram em uma sensação de aflição quase insuportável em diversos instantes, fazendo com que a leitura traga o paradoxo do horror proveniente das situações vivenciadas pelos personagens aliado ao vício e envolvimento que o livro propicia.

Outras características, ainda, contribuem para a ideia da degradação humana trabalhada em toda a obra, como a ausência de nomes das personagens, indicando a perda de suas identidades: tanto o reconhecimento do mundo e dos demais habitantes por elas não se dá mais da mesma maneira quanto elas próprias deixam de reconhecer seus limites conforme a história se desenrola – são várias as situações em que se vêem agindo de uma forma antes totalmente inimaginada.

 

“Ninguém fez perguntas, o médico só disse, Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente os olhos dos outros, como se estivesse a ver-lhes a alma, A alma, perguntou o velho da venda preta, Ou o espírito, o nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente, se tivermos em conta que se trada de pessoa que não passou por estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse, Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. ”

página 262

 

A cegueira, embora de central importância para a trama, não é seu foco, não interessando ao autor explicá-la, entendê-la ou desvendá-la. Ela é a personagem que a todos afeta, mas mantêm-se observadora do caos que origina. A intenção de Saramago está justamente na consequência que a cegueira traz: a degradação do homem e o total retrocesso da civilização. O autor explora os níveis précarios atingidos pelo ser humano, ressalta os instintos trazidos à tona no caos, analisa os mais controversos sentimentos que tomam seus personagens. Ao mesmo tempo, procura resgatar sentimentos e conceitos valiosos, trazer a verdadeira lucidez por meio das reflexões construídas no romance.

A leitura de Ensaio sobre a cegueira pode, também, ser feita de maneira bastante simbólica, buscando diferentes significados tanto para a cegueira quanto para as temáticas e situações desenvolvidas. Esse não foi o meu caso, simplesmente imergi na temática da degradação e degustei cada parte magistralmente trabalhada por Saramago. Independentemente da leitura feita por cada um, são inquestionáveis a riqueza e a complexidade da obra, responsáveis por colocá-la na posição de destaque e importância que ocupa no cenário da literatura contemporânea mundial.

Ensaio sobre a cegueira 2

 

Sobre o Filme

 

Lembro-me de quando assisti a Ensaio sobre a cegueira há alguns anos. Além de ser a adaptação da renomada obra literária, o filme é dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles, conta com Alice Braga no elenco e teve parte de suas cenas rodadas na capital paulista. Sem dúvida alguma me interessei por assisti-lo e, quando o fiz, fui tomada de uma admiração por sua qualidade e de uma aflição imensa pelas cenas apresentadas. Após alguns anos, contudo, pouquíssimas e aleatórias imagens foram preservadas em minha memória, e, ao reassistí-lo, foi como se o estivesse vendo pela primeira vez, conhecendo o enredo apenas por ter finalizado a leitura do livro alguns dias antes.

ensaio sobre a cegueira_filme4

Desde o início fica nítida a importância da fotografia para o filme. Há um uso intenso de imagens de alta luminosidade e/ou brancas, de forma a simularem a cegueira. Além disso, imagens desfocadas também assumem essa função. Com o desenrolar da história, aumenta também a presença de cenas escuras, acompanhando as temáticas mais sombrias assumidas pelo enredo conforme a degradação das personagens e a gravidade das situações vividas se intensificam. Algo que também chamou minha atenção foi a luminosidade ao redor de Julianne Moore, a esposa do médico: suas roupas são predominantemente mais claras, sua maquiagem a torna mais pálida e tais efeitos são reforçados pelas luzes utilizadas. A explicação para tal se encontra no fato da personagem ser a única a manter sua visão – a representação exclusiva da lucidez em meio a cegueira, vista aqui também de maneira metafórica.

ensaio sobre a cegueira_filme1

O filme foi extremamente fiel à obra de Saramago, tendo mantido praticamente todas as cenas do livro e alterado alguns poucos detalhes: há algumas poucas inversões de acontecimentos, raras omissões de fatos, ainda mais esparsos acréscimos. Não apenas os acontecimentos foram mantidos como, principalmente, a essência da trama, sendo possível observar tanto todo o horror que o livro desperta quanto a mensagem transmitida pela cegueira.

ensaio sobre a cegueira_filme2

A visão simbólica da cegueira, a meu ver, foi ressaltada na adaptação de forma a se tornar mais clara perante aos nossos olhos. Em uma das cenas iniciais, o oftalmologista, personagem de Mark Rufallo, conta à mulher o estranho caso do paciente que cegou repentinamente, como também ocorre no livro, e, também como no original de Saramago, cita duas diferentes possibilidades de patologias que poderiam explicar o ocorrido. Ao citar a agnosia, uma das alternativas, sua esposa na hora faz sua correlação etimológica – não conhecimento, ignorância -, o que não acontece na obra literária. Enquanto o autor deixa a ideia subentendida, o filme a revela, ainda que de maneira sutil.

Ensaio sobre a cegueira_filme3

De modo geral, o filme, mesmo sendo uma excelente adaptação, não atinge a magnitude do original. Saramago é mais intenso, mais reflexivo, mais profundo, de modo que, mesmo com todos os recursos do cinema, sua obra ainda assim mexeu muito mais comigo, em termos de emoções e dos meus cinco sentidos. Um filme, por melhor que tenha sido produzido, dirigido e adaptado, jamais conseguiria demonstrar o poder de escrita do autor, apenas sua extraordinária história.

 

Assista ao Trailer!

 





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16 Respostas para "[Livros Na Telona] Ensaio Sobre A Cegueira – José Saramago"

Aciclea Vieira - 20, maio 2015 às (13:00)

Aione,Ouvi falar muito dessa obra,tanto literária como cinematografica,porém ninguém antes tinha colocado de forma tão especial ,comparativo e interessante.Com certeza irei conferir de perto.Bjs!!!

Larissa Oliveira - 20, maio 2015 às (13:49)

Já faz um tempinho que assisti Ensaio Sobre a Cegueira, e não me recordo muito sobre o filme. Mas, lendo sua resenha e vendo essas imagens, me veio um certo ‘desespero’, relembrando algumas cenas do filme que me deixaram bastante angustiada. Não li o livro ainda, mas quero poder faze-lo em breve. Gostei muito das suas resenhas e de saber que o filme foi fiel à obra. Mas, concordo também que, por melhor que o filme seja, não terá aquele encantamento transmitido pela escrita do autor.

Cristiane Oliveira - 22, maio 2015 às (12:28)

Oi Aione. Adorei o post. Tanto o livro quanto o filme, são dois dos que eu quero ler e assistir há muito tempo. Gostei muito da comparação que você fez dos dois e depois de ver o trailer, fiquei ainda mais curiosa em assistir. Valeu pela dica!
Beijos

Rosana - 22, maio 2015 às (14:27)

Sou bem curiosa para ler as obras do Saramago, assisti ao film faz muito tempo e não lembro de muita coisa. Ao ler a resenha com os detalhes que você ressaltou do livro só fez eu ficar mais interessada na leitura, porém com um certo receio de não entender muito a escrita do autor. Enfim, quero ler o livro e ver o filme, mas acredito que ainda vai demorar um pouco para eu realizar isso.

Sara Silva Freitas - 22, maio 2015 às (16:37)

Oi, Aoine. Vi o filme “Ensaio sobre a cegueira” há pouco tempo e, esse livro já estava na minha lista de “Livros que quero ler em 2015”. Adorei sua resenha, a forma como fala da escrita de José Saramago, nunca vi alguém falar de forma tão clara de alguma obra desse escritor tão renomado. Gostei bastante do seu “resumo” da obra e a comparação com o filme. Achei um filme bem diferente do que estava acostumada quando o vi, fiquei surpresa com as reflexões que foram trazidas e fiquei muito ansiosa para ler a obra original.. Já estou pesquisando os preços do livro nas livrarias online…. hahahaa
Beijos.

Edilza - 22, maio 2015 às (18:31)

Oi, Mi!
Há tempos que quero ler Ensaio Sobre A Cegueira! E o autor pelo visto mostra bem como a sociedade reage a uma tragédia.
Nossa, não sabia que algumas cenas do filme foram gravadas em São Paulo! E que ótimo o filme ter sido fiel à obra original.
Um abraço!!

Thays Suenaga - 24, maio 2015 às (09:09)

O incômodo de colocarem um espelho na tua cara. Angustiante e fantástico.

Diane Ramos - 24, maio 2015 às (16:48)

AMO esse livro ! Li na época do colégio e até hoje tenho o maior orgulho de poder ter lido essa obra de José Saramago .
Infelizmente , ainda não assisti o filme .

http://coisasdediane.blogspot.com.br/

Sheylla - 26, maio 2015 às (11:37)

Li esse livro faz pouco tempo e gostei bastante. Foi um livro que me deixou um pouco aflita., pois imaginar perder a visão, mesmo que temporariamente…nem quero pensar como seria. rs
A única coisa que me incomodou no livro foram os diálogos naqueles parágrafos gigantescos, por ter me deixado um pouco confusa no início.
Algumas cenas também são de tirar o fôlego.
No mais, amei o livro, mas não virou meu favorito.
Eu estou super curiosa para ver o filme! E gostei de saber que tem mais semelhanças do que diferenças com o livro.

bjs

rudynalva - 26, maio 2015 às (14:36)

Olha Aione!
Saramago tem o dom de buscar o mais profundo da natureza humana e tentar repassar em seus livros.
E nesse em especial, o caos é instalado e se volta os primórdios.
Assisti o filme também e achei bem fiel ao livro e ainda com os efeitos cinematográficos, que traem ainda mais impacto, embora o livro seja soberbo e sua resenha ficou excepcional, muito bem analisado. Parabéns!
Cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

Larissa Santos - 26, maio 2015 às (19:42)

Oi Aione,
Nem sabia que tinha o filme O.o
Eu achei interessante a proposta do livro, como é um livro mais profundo, acredito que só o lerei nas férias e o filme só depois do livro rsrs.
Beijocas ^^

Lary C - 27, maio 2015 às (16:30)

Oi, Aione.
Nunca li nada de Saramago, mas tenho duas obras dele na minha lista: Ensaio Sobre a Cegueira e Caim. Não vi o filme também, pois pretendo assistir depois de ler o livro. Mas ele está na minha lista desde que saiu, pois adoro o Mark, a Julianne e o Gael García (que, por sinal, conheci em outra adaptação literária… O Crime do Padre Amaro). Não tenho dúvidas de que o filme não consiga atingir a profundidade da obra de um escritor tão renomado, pois isso é quase impossível. Mas eu gosto da oportunidade de acompanhar a mesma história em mídias diferentes… Eu não fico fazendo comparações absurdas e sofrendo com isso, rs.
Abraço!

Patrini Viero - 28, maio 2015 às (23:59)

Já tive a oportunidade de conhecer a obra de Saramago, e assim como todos os livros dele que li, Ensaio sobre a Cegueira foi uma grande lição de vida, uma leitura que vou levar sempre comigo. Fiquei extremamente contente ao ver o elenco do filme, acho que essa história merece tudo de espetacular mesmo. Também gostei de saber o quanto a adaptação tentou ser fiel ao livro, já que pra mim tudo é muito bom do jeito que foi escrito, não há nenhuma mudança a ser feita. Fiquei curiosa para assistir ao filme!

Becca Martins - 29, maio 2015 às (13:01)

Oi Aione!
Eu não sou muito fã das obras dele não. Então não sei o que esperar. Acho que eu vou acabar vendo o filme, se eu gostar eu leio o livro.
Tenho um certo receio de livros desse gênero.
Beijos ♥

Bia Felix - 31, maio 2015 às (13:41)

Mi, confesso que não estou numa época de ler livros como esse, principalmente pela linguagem da obra que como você disse preservou o português de Portugal.Mas, com certeza vou assistir ao filme e quem sabe num futuro ler a o livro, né?! 🙂
Bjos.

Brenda Amorim - 31, maio 2015 às (15:34)

Esse livro esta na minha lista de desejados, mas eu não sabia que tinha filme, irei assistir ao filme antes de ler. Muito obrigado pela dica

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