[Resenha] Tudo é rio — Carla Madeira - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
13

set
2023

[Resenha] Tudo é rio — Carla Madeira

Com uma narrativa madura, precisa e ao mesmo tempo delicada e poética, o romance narra a história do casal Dalva e Venâncio, que tem a vida transformada após uma perda trágica, resultado do ciúme doentio do marido, e de Lucy, a prostituta mais depravada e cobiçada da cidade, que entra no caminho deles, formando um triângulo amoroso.
Na orelha do livro, Martha Medeiros escreve: “Tudo é rio é uma obra-prima, e não há exagero no que afirmo. É daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase, deixar-se abraçar pela poesia da prosa. Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga.”
A metáfora do rio se revela por meio da narrativa que flui – ora intensa, ora mais branda – de forma ininterrupta, mas também por meio do suor, da saliva, do sangue, das lágrimas, do sêmen, e Carla faz isso sem ser apelativa, sem sentimentalismo barato, com a habilidade que só os melhores escritores possuem.

 

Ficha Técnica: Tudo é rio

Título: Tudo é rio
Autor: Carla Madeira
Editora: Record
Número de Páginas: 210
Ano de Publicação: 2021
Skoob: Adicione
Compre: Amazon

 
 
 
 

Tudo é rio é o romance de estreia de Carla Madeira. Originalmente publicado em 2014 pela editora Quixote, ganhou nova edição pela Record em 2021 e, desde então, figura entre os mais vendidos do Brasil. Também pela Record, a autora lançou Véspera (2021), o terceiro e inédito romance, e relançou A Natureza da Mordida (2022), o segundo, que havia sido publicado em 2018.

A história traz três personagens principais: Lucy, prostituta da cidade, e o casal Dalva e Venâncio. Eles, até então muito apaixonados, tiveram o casamento marcado por uma tragédia, que mudou completamente a dinâmica entre eles. É quando Lucy entra na vida do casal, dando início a um diferente e inesperado triângulo amoroso.

A narrativa de Tudo é rio se dá em terceira pessoa alternando presente e passando, construindo a história atual em alguns capítulos ao mesmo tempo em que, em outros, desenvolve as bagagens e contextos das personagens. Essa maneira de contar a história tanto envolve quanto desperta a curiosidade pelos eventos a seguir, sendo uma leitura muito ágil. Aliada a essa estrutura, está a escrita em si de Carla Madeira — seu principal destaque e trunfo.

Diálogos, descrições e narrativas se misturam em um todo fluido, alimentando e respeitando a leitura voraz que Tudo é rio proporciona. Não há tempo para a pausa da separação dos diálogos, e os momentos de respiro são estrategicamente colocados. É também estratégico o uso da linguagem: se ela tem a cadência e o vocabulário típico da oralidade, caracteriza-se, ainda, pela poesia dos sons e significados. Há diversos jogos de palavras e duplos sentidos pelas páginas, um dos fatores que mais me fez me deliciar com a leitura. Contudo, se há poesia nessa escolha do que dizer, Tudo é rio não é nada sentimentalista como se pode esperar de algo dito “poético” — e que usa a metáfora do rio em palavras, sentidos e fluxo narrativo. Ao contrário, é cru no que retrata.

Por todo o livro, o que Carla Madeira constrói é uma ideia de certa inevitabilidade sobre o sofrer na vida, sobre a presença de reveses que nos tiram o prumo em maior ou menor intensidade — como uma correnteza, que arrebata e não pode ser contida. Exatamente por isso, uma leitura otimista ou romantizada não se faz possível, apesar do que o fim pode sugerir. Se existe algum conforto é na ideia da necessidade de nos agarrarmos aos bons momentos, aqueles capazes de nos sustentar e fazer seguir em frente — ainda que isso exija acordos muito particulares, como renúncias e altas doses de autoconvencimento. Talvez, o que haja de mais indigesto na leitura é que ela não entrega respostas fáceis ou mesmo mensagens prontas: apenas retrata situações de extrema complexidade, e cabe a quem lê fazer os próprios julgamentos e tirar os próprios aprendizados. As personagens — reais e imperfeitas — estão envolvidas em camadas diversas de dificuldades, perdas, abandonos. Há todo um contexto social — patriarcal e conservador — ao qual elas pertencem. Tudo isso é parte de quem são, de quem se tornam, e do que é contado — e por isso, é necessário, também, ler nas entrelinhas.

Tudo é rio é um excelente exemplo de que um livro bem escrito não é sinômido de “difícil” ou “rebuscado”. Ao mesmo tempo, é daqueles que impacta, desnorteia e se faz difícil de engolir enquanto te prende e não te deixa fugir — como um rio, é impossível detê-lo. Minha cópia terminou inteira marcada de anotações diversas: frases e pensamentos notáveis, jogos de palavras fascinantes, reflexões e observações variadas. É daqueles livros que ou se ama ou se odeia, sem espaço para meio-termo, incapaz de passar despercebido. Da minha experiência, foi uma leitura que me consumiu, e certamente me deixou mais curiosa para ler as outras obras de Carla Madeira.





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2 Respostas para "[Resenha] Tudo é rio — Carla Madeira"

Anna - 09, novembro 2023 às (06:47)

Tão feliz de ter encontrado o Minha Vida Literária, saudade da minha adolescência e dos blogs de leitura. Excelente resenha, parabéns!

Marília L Paixão - 20, agosto 2024 às (22:22)

Amei sua resenha. Gostei do livro. Sem dúvida, uma obra brasileira de significante valor literário. Recomendo. Creio que o final da história não deva ser visto com o radicalismo que vi sendo disseminado por aí. Ele combina com a antepassados e não me passou a ideia que Dalva e Venâncio voltariam a viver a história de amor anterior. Entendi que a intenção maior era que a criança aos dois tivesse.

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