[Resenha] As Nove Vidas de Rose Napolitano — Donna Freitas - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
27

out
2021

[Resenha] As Nove Vidas de Rose Napolitano — Donna Freitas

Rose Napolitano e Luke estão brigando. Ele prometeu, antes do casamento, que não queria ter filhos, mas mudou de ideia. Ela prometeu tomar as vitaminas para engravidar, mas não o fez. De repente, o casamento dos dois passa a depender de uma única resposta: Rose consegue encontrar dentro de si o desejo de ser mãe?
Ao narrar uma escolha de vida decisiva em nove versões diferentes, Donna Freitas nos leva por todos os caminhos que moldam a vida de uma pessoa, refletindo sobre trajetórias que ressignificam o que é ser mulher. Um romance sobre amor, maternidade, traição, divórcio, morte e sobre como o destino pode interferir em nossos planos quando menos esperamos.

 

Ficha Técnica

Título: As Nove Vidas de Rose Napolitano
Título original: The Nine Lives of Rose Napolitano
Autor: Donna Freitas
Tradução: Lígia Azevedo
Editora: Paralela
Número de Páginas: 344
Ano de Publicação: 2021
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Resenha: As Nove Vidas de Rose Napolitano

As Nove Vidas de Rose Napolitano é o mais recente lançamento de Donna Freitas e seu primeiro livro no Brasil, embora a autora já tenha várias outras obras. Publicada pela editora Paralela e com tradução de Lígia Azevedo, foi uma leitura que devorei em um dia e que não consegui não favoritar ao finalizá-la.

Rose e o marido discutem em uma manhã. Ela não está tomando as vitaminas que havia prometido após chegarem a um impasse: ele mudou de ideia quanto a ser pai e agora quer uma criança, mas ela segue firme em sua decisão de não ser mãe. Então, Donna Freitas trabalha a mesma discussão com nove conduções diferentes, que levam a consequências distintas, fazendo com que o livro retrate realidades alternativas e simultâneas.

Em primeira pessoa, As Nove Vidas de Rose Napolitano é extremamente envolvente. Somos jogados nas emoções e dúvidas de Rose, mergulhando em sua interioridade e seus questionamentos a respeito da própria identidade. Como as nove vidas são trabalhadas simultaneamente — e os capítulos sinalizam a qual vida se referem —, a leitura pode parecer confusa; em minha experiência, apenas deixou tudo mais dinâmico e interessante, mesmo que eu às vezes precisasse parar para me lembrar o que havia acontecido em cada vida. 

A questão da maternidade, se vou me tornar mãe e, em caso positivo, quando, e, se eu não me tornar, o que vai acontecer; tudo isso intimamente relacionado a quem sou enquanto mulher, boa ou má, realizada ou não, egoísta ou abnegada, feliz ou infeliz, tudo isso ligado a casamento, trabalho, divórcio, constituía uma pedra gigantesca, pesada, que carreguei durante anos, rolando, empurrando, como um Sísifo formoso, de salto alto ou tênis de corrida, com as roupas do trabalho, pijama ou calça jeans.
Agora dou um toquinho nessa pedra, de leve, e a vejo rolar montanha abaixo e se despedaçar na ravina.
Gostaria de nunca a ter carregado.

página 327

Um dos pontos altos da leitura é o esmero e sensibilidade com que a protagonista é construída. Como típico de uma personagem esférica bem trabalhada e, portanto, complexa por definição, os diferentes encadeamentos retratados fazem sentido, mesmo que possam ser contraditórios entre si. Dessa maneira, Donna Freitas demonstra não só as possibilidades de escolhas que podemos fazer a partir de diferentes ponderações, como também a típica fragmentação identitária do sujeito pós-moderno. Ao mesmo tempo, se há essa fragmentação ao longo do enredo, adorei como o livro procura reunir as identidades, permitindo a leitura de que há um momento em que Rose pode compreender e aceitar melhor quem é, independentemente do caminho trilhado até ali.

Outro tema central em As Nove Vidas de Rose Napolitano é o debate sobre as questões de gênero. Para além do impasse criado pela contraposição dos desejos pessoais — Rose não quer ser mãe, seu marido quer ser pai —, o que adiciona camadas extras ao conflito é a pressão sócio-cultural exercida por uma sociedade patriarcal na qual os papéis de gênero são pré-estabelecidos. Se Rose quisesse ser mãe e seu marido não quisesse ser pai, boa parte do enredo não existiria, porque ela não enfrentaria os dilemas a que é submetida pela situação ser o contrário. Vale dizer que o romance se limita a retratar a perspectiva de uma mulher branca e cisgênero, considerando que pessoas não-binárias e homens trans também podem engravidar, mas a discussão presente ainda assim é válida.

Talvez tenha faltado na leitura uma ou duas vidas para Rose — ou então que Donna Freitas fosse mais explícita nessa ideia em específico, já que ela está presente no livro —, que não sugerissem possíveis aceitações, advindas com o tempo, a respeito das transformações ao longo da vida. Ao mesmo tempo, fiquei satisfeita em como a autora conduziu a trama por brincar com a ideia de destino, sugerindo que, mesmo em caminhos e épocas diferentes, algumas coisas estão fadadas a estarem em nossa vida — algo que, se não funciona por completo em questionamentos fora da ficção, ficou interessante dentro dela, e que também me chamou a atenção em Em Outra Vida, Talvez?, de Taylor Jenkins Reid. Paralelamente ao destino, fica representada a sugestão de que os acontecimentos são fruto de estarmos ou não alinhados a quem somos, e a carga de leveza ou de sofrimento que carregamos pode variar conforme resistimos a aceitar nossa própria essência. Dessa forma, As Nove Vidas de Rose Napolitano é um livro sobretudo sobre identidade: o que a constitui e nossa constante busca por ela. Foi um livro que não consegui largar e que me envolveu por completo. Me vi imersa nas vidas de Rose, como se suas dúvidas e batalhas fossem minhas. Senti o poder da narrativa quando, talvez, sua vida que mais me impressionou foi aquela em que Rose seria a mais condenada, mas que demonstrou para mim com ainda mais intensidade sua luta pelo direito de ser quem é e sentir o que sente.





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