[Resenha] Mal-entendido em Moscou - Simone de Beauvoir - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
10

jul
2015

[Resenha] Mal-entendido em Moscou – Simone de Beauvoir

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Título: Mal- entendido em Moscou
Autor: Simone de Beauvoir
Editora: Record
Número de Páginas: 144
Ano de Publicação: 2015
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Um livro inédito de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira vez na França em 1992. André e Nicole, dois professores universitários aposentados que sentem o peso da idade, viajam para a União Soviética pela segunda vez na vida. Lá, encontram a filha do primeiro casamento de André, Macha, uma mulher decidida que vive na grande experiência do socialismo do século XX. Assim, inicia-se uma série de mal-entendidos relacionados a questões individuais e coletivas – a não comunicação, a ideia de envelhecer, o amor de longa data, o papel e a identidade da mulher, as expectativas políticas etc. Mal-entendido em Moscou, que se vale das experiências de Simone de Beauvoir e de seu marido, Jean-Paul Sartre, em viagem à União Soviética, é um tocante relato sobre decepções políticas e sentimentais que lançam uma luz sobre a singularidade de nossa existência.
“Neste texto inédito, Simone de Beauvoir narra a crise existencial suprema. ”
Le Figaro


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Ler qualquer coisa que seja de Simone de Beauvoir é sempre um prazer. Isso porque, além da sua inteligência e habilidade com a escrita, a autora possui um acúmulo teórico incrível que, sem dúvidas, faz com que seus escritos sejam lidos e debatidos mundialmente. De origem francesa, além de escritora, foi filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social. A autora possui uma significativa importância histórica e é um privilégio ter acesso a esse texto, até então inédito no Brasil. Publicado pela editora Record, Mal-entendido em Moscou chega às livrarias representando uma verdadeira preciosidade a respeito da singularidade da existência humana.

O livro narra a história do casal de professores aposentados Nicole e André. Um casal culto, harmonioso e muito carismático que rapidamente prende a atenção do leitor com suas histórias. Um dos principais focos da trama são os efeitos do envelhecimento, de como o casal lida com eles e as mudanças na vida dos dois em decorrência do avanço da idade. Com reflexões de diversas esferas da vida, a abordagem direta, clara e sensível da autora foi responsável pelo meu rápido envolvimento com a leitura.

 

“Ele beijou Nicole e foi para a cama. Os sonhos: pelo menos isso ainda tinha. Encostou a bochecha no travesseiro. Gostava de se sentir escorregando no sono. Seus sonhos o faziam viajar mais profundamente que qualquer livro, que qualquer filme. Ele ficava encantado com sua gratuidade”.

página 36

 

A narrativa em terceira pessoa me pareceu diferenciada das demais, pela intimidade que a narradora demonstrou possuir com os personagens, já que o livro carrega traços da vida da própria autora e do relacionamento com seu marido e também filósofo Jean-Paul Sartre. Desse modo, temos a oportunidade de adentrar no mundo do casal Nicole e André e também nos pensamentos e particularidades de cada um separadamente.

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Como nos antecipa o título dessa obra, acontece um “Mal-entendido em Moscou”, que redireciona a vida dos personagens e os leva a uma crise que certamente deixará o leitor um pouco angustiado, porque, mesmo com a crise existencial inerente ao casal desde as primeiras páginas do livro, essa parece tocar num ponto imprescindível e que é colocado em questão: o amor que os une e a importância que ambos possuem na vida um do outro. A partir desse ponto, compreendemos a totalidade da beleza narrativa que a autora depositou a essa obra e o valor das reflexões que ela nos proporciona.

 

“Esta é a vantagem da literatura, pensou ela: nós guardamos as palavras conosco. As imagens murcham, deformam-se, apagam-se. Mas ela reencontrava as velhas palavras em suas cordas vocais, quase como foram escritas. As palavras os uniam aos séculos passados, quando os astros brilhavam exatamente como hoje. E esse renascimento e essa permanência lhe davam uma impressão de eternidade”.

página 42

 

Minha experiência de leitura foi extremamente bem sucedida e gratificante, desde a primeira página do livro eu tive certeza de que seria uma leitura incrível e de fato foi. Se para mim o livro funcionou perfeitamente bem, imagino que, para quem esteja no auge da vida sexagenária e vivenciando tais conflitos existenciais, funcione ainda mais, pois a autora construiu um retrato sincero e realista dessa fase de vida, o qual, passa longe de ser superficial. Ela trouxe pensamentos sobre o tempo, a vida, o amor e sobre o companheirismo, que me pareceu acompanhar os protagonistas dessa história por toda uma vida. Não poderia deixar de mencionar que o livro possui, assim como os personagens, direcionamentos políticos e sociais bem delineados e retratados muito naturalmente no decorrer dos capítulos.

 

“Diziam isto constantemente: a senhora tem um ar jovem, vocês são jovens. Elogios ambíguos que anunciam futuros penosos. Manter a vitalidade, a alegria e a presença de espírito é continuar jovem. Logo, são próprios da velhice a rotina, a melancolia, a caduquice. Dizem: a velhice não existe, não é nada; ou então: é muito bonita, muito tocante; mas, quando a encontram, fantasiam-na em palavras mentirosas. Macha dizia: a senhora é jovem, mas pegou Nicole pelo braço. No fundo, era por causa dela que, desde a chegada, Nicole sentia o peso da sua idade”.

página 58

 

Indico muito a leitura, principalmente para quem já tem vontade de conhecer a escrita da autora. O livro tem menos de 150 páginas, mas nos proporciona momentos tão bonitos e singulares de encontro com personagens tão verdadeiros e sensíveis que ficamos com saudade deles quando terminamos a leitura. Mais do que mostrar uma crise conjugal e de identidade, a leitura nos proporciona enxergar os efeitos do envelhecimento nos protagonistas e suas diferentes faces, nos conduzindo a questionamentos que incluem o próprio sentido da vida. É uma obra esplendida.

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14 Respostas para "[Resenha] Mal-entendido em Moscou – Simone de Beauvoir"

Mariele Antonello - 10, julho 2015 às (13:06)

Não tinha conhecimento sobre este livro, mas apesar de você ter curtido a leitura e eu ter gostado da resenha, não sei se leria, o contexto da história não me chamou muito a atenção, talvez mais futuramente eu resolva ler.

Aciclea Vieira - 10, julho 2015 às (13:28)

Clívia,o interessante desse livro é o contexto histórico que ele traz,além é claro de falar e mostrar os efeitos do envelhecimento nos protagonistas e questionamentos sobre o sentido da vida.Beijos!!!!

Larissa Oliveira - 10, julho 2015 às (14:26)

Oi, Clivia! O que mais me chamou atenção e que me fez interessar pelo livro, foi o fato de conter pensamentos e reflexões sobre a vida, o amor, companheirismo, como você mesma destacou. Fiquei extremamente curiosa também para conhecer a escrita da autora, tão bem comentada na resenha. Mais uma excelente dica de leitura!

rudynalva - 11, julho 2015 às (00:17)

Clívia!
Fantástico poder tirar lições do existencialismo em um livro de Simone de Beauvoir…
Fiquei daqui imaginando os diálogos que tinha com Sartre…deve ter sido fabulosa a convivência dos dois.
Acredito que não precisa ser sexagenário para apreciar os conflitos do casamento, porém deve ser interessante chegar a essa idade e conseguir enfrentar esses conflitos de forma madura.
“Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor.”(William Shakespeare)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Franciele Ribeiro - 11, julho 2015 às (09:39)

Muito boa sua resenha, mais o livro em si não me chamou atenção, acho que não faz muito minha praia, apesar de ler um pouco de tudo, quem sabe futuramente eu leia e e tenha uma agradável? Até a próxima 🙂

Thays Suenaga - 12, julho 2015 às (08:35)

Já tinha ouvido falar desse livro, mas estava esperando resenhas. Eu decidi comprar *—*

Edilza - 12, julho 2015 às (13:21)

Oi, Clívia!
Fiquei com muita vontade de conhecer essa narrativa tão encantadora da autora, e por tratar de um casal que está passando pela aceitação do envelhecimento me chamou mais ainda a atenção.
Amei a resenha! Bjos <3

Leticia - 14, julho 2015 às (10:30)

Oi Clivia..
Eu nunca li nada de Simone, mas não sei se esse livro em questão tenha me chamado atenção.
Mas se eu tivesse oportunidade eu acho que daria uma chance, afinal é tão curtinho né, e ainda foi tão elogiado por você.

livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br

Patrini Viero - 16, julho 2015 às (23:17)

Não conhecia a autora ainda, mas achei super interessante o histórico de vida que ela possui, uma mulher muito instruída, sem dúvida nenhuma. Não gosto muito de livros que adentram o lado filosófico da vida social ou particular, geralmente eles me parecem bastante complexos e exigem uma carga de vontade imensa para terminar a leitura. Mas esse me pareceu bastante leve, apesar do tema extremamente reflexivo. Gostei de saber que a autora inseriu aspectos de sua própria vida cotidiana na obra.

Gabriela Malavolta - 25, julho 2015 às (14:09)

Oi, Clívia!
Eu não conhecia a obra, mas sim a autora. Adoro filósofos e todo questionamento envolvendo a filosofia. Me interessei muito pela leitura devido ao questionamento complexo que ele traz, abordando questões políticas e sociais, sem contar as reflexões em volta do envelhecimento e o sentido da vida. Todos nós iremos passar por isso e certamente será uma leitura válida. Beijão, Gabi 🙂

Tamara Costa - 26, julho 2015 às (03:27)

Não gosto da Simone…até tentei ler várias vezes mas simplesmente não nos batemos. O mais estranho é que a história desse livro se parece muito com um livro dela que tentei ler há algum tempo mas não é o mesmo.

The Nice Age - 28, julho 2015 às (20:43)

Oi

Parece ser uma leitura interessante, Principalmente o contexto histórico que ele traz, não conhecia a autora. Mas não é uma leitura que eu faria agora, quem sabe mais para frente.

Beijos!

Cintia

Cristiane Oliveira - 30, julho 2015 às (12:46)

Oi Clivia. Que bom que você gostou tanto do livro. É um tipo de leitura que não costumo ler, mas acredito que seja de fato bem reflexiva. Especialmente, no caso, para pessoas que estejam vivendo uma fase parecida com a dos protagonistas.
Beijos

Fernanda Mendonça - 30, julho 2015 às (21:15)

Mesmo não tendo lido AINDA nada da Simone eu tenho um grande respeito pela autora e eu amo quando alguma pessoa escreve uma resenha de uma obra dela e a elogia. Eu realmente espero muito ter a oportunidade de qualquer coisa dela, mas essa oportunidade ainda não surgiu.
Tenho a impressão que todos os livros dela, ou pelo menos a maior parte, trazem sempre um grande questionamento sobre muitas coisas da vida e sempre fazem a gente pensar. Enfim, algum dia eu coloco minhas mãos em alguma obra dela.

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