[Resenha] Marta - Breno Melo - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
27

out
2011

[Resenha] Marta – Breno Melo

Título: Marta
Autor: Breno Melo
Editora: Schoba
Número de Páginas: 215
Ano de Publicação: 2011
Skoob: Adicione
Compre: Site da Editora

Marta é uma garota no primeiro ano de faculdade que sofre pelo amor de João desde os anos do Ensino Médio. Mesmo com sua mudança de vida, indo morar em uma cidade maior com suas duas melhores amigas, seu sentimento permanece imutável. Mas Marta não é como qualquer garota de sua idade; Marta é bipolar.

Imagine um livro onde os fatos acontecidos não são os mais relevantes na obra, mas sim a exploração do mundo interno das personagens, de seus sentimentos e pensamentos mais íntimos. É o que ocorre em Marta, primeiro romance de Breno Melo, publicado pela Editora Schoba.
A narrativa do autor me prendeu desde as primeiras páginas. É direta e mostra as cenas de maneira, muitas vezes, fria, principalmente ao se tratar das personagens secundárias. Os diálogos são escritos formalmente e não correspondem ao coloquialismo. Isso, entretanto não os tornam artificiais em momento algum, principalmente porque a história se passa na Argentina e as falas trazem algumas expressões e construções próprias da língua espanhola. Além disso, lembrou-me, diversas vezes, a de Machado de Assis, pela interação ocorrida entre narrador e leitor, e pelas várias referências do primeiro ao livro.
“Sim, sim; o leitor tem razão. Toda razão. Talvez soe estranho (…)” 
página 12
“Mas voltemos àquela garota. É ela quem me leva a escrever esse romance.” 
 página 13
Logo no prefácio, Breno especifica quatro tipos de leitura possíveis do livro: a primeira, popular, feita por leigos, pode ser realizada por qualquer pessoa; a segunda, a médica, é feita por profissionais a fim de analisar os sintomas e as características que possibilitam o diagnóstico de Marta como bipolar de grau I; a terceira, filosófica, é feita por profissionais e estudantes; e, por fim, a pessoal, é feita por bipolares que podem se identificar com a personagem .
Ao ver a sinopse, acreditei que a bipolaridade de Marta seria citada e explorada. Entretanto, Breno nos conta o fato na sinopse e prefácio e só. Por ser leiga no assunto, caso não fosse avisada da doença, jamais a teria percebido. E esse foi um de seus melhores recursos: o leitor deve buscar as características bipolares na personalidade da protagonista, elas não são entregues de bandeja.
Um dos possíveis tipos de leitura é a pessoal, a fim de buscar identificação entre os bipolares, como explicado acima. Entretanto, como a obra é interna demais à Marta, a aproximação entre alguns de seus sentimentos e pensamentos é possível a qualquer um que já sofreu por amor. Inclusive, identifiquei um hábito comum entre eu e Marta: a busca pela compreensão do que está sendo sentido, a procura do porquê da manifestação de certos sentimentos. O que torna Marta diferente, portanto, é a intensificação da maneira de sentir da protagonista e a forma pela qual tal exacerbação afeta sua vida e atitudes. Seu amor, aqui, beira a obsessão.
Uma característica que me agradou enormemente na obra foi a sua fundamentação teórica a fim de analisar os sentimentos de Marta. Diversas vezes, a narração da história é interrompida para que seja fornecido algum conto mitológico ou um fato histórico ou a teoria de algum filósofo sobre o assunto em questão. Não só isso, são fornecidos dados de obras de arte, inclusive da literatura, e dos artistas que a fizeram, tudo se conectando ao mundo interior de Marta. Há, também, a transcrição de algumas poesias durante a história.
Em dado momento, o narrador classifica elementos da obra como pertencentes ao Realismo, o que fez sentido para mim, já que a escrita havia me lembrado Machado de Assis, maior representante brasileiro desse movimento literário. Porém, também identifiquei elementos do Romantismo, movimento que precedeu o Realismo: a exacerbação dos sentimentos de Marta, o amor idealizado e inatingível, a aproximação entre o estado de humor da garota com elementos da natureza, como mostram os trechos abaixo:
Para Marta, porém, o céu tornou-se mais azul e o sol mais quente do que ela havia podido perceber uns minutos antes, andando pela Avenida Éden.
Diante do café, sentiu que se abriam novamente para ela os potões do Paraíso, cuja chave inesperada era aquele pedaço amassado de papel, introduzido às presssas no bolso de sua calça. 
páginas 46 e 47
Enquanto isso, lá fora, caía a primeira neve do inverno em Córdova, como não costumava acontecer.
Era um belo dia, ainda que incomum ou melancólico.
página 155
Breno foi cuidadoso e sutil inclusive com a escolha da capa do livro. Ela não é aleatória, ao contrário, fornece uma pista do conteúdo e desfecho da obra. Mas, para entender, é preciso fazer uma pesquisa sobre a história de seu artista e somente a recomendo após a leitura ter sido finalizada, a fim de evitar algum spoiler. Confesso que minha curiosidade foi maior e fiz a pesquisa antes de ler o livro, portanto, não me surpreendi com o desfecho. Mas isso não modificou em nada meu agrado pela leitura, li as páginas finais como aquela tensão frenética no virar de páginas para concluí-la e descobrir sua finalização. Outra sutileza é dada pela incorporação do nome de bipolares famosos pela obra.
Somente um ponto, para mim, ficou um pouco em aberto na história. Em alguns fatos surgidos, mais especificamente dois, senti falta de uma maior exploração. Um é uma preocupação de Marta originada quase ao final da história e que não é concluída, o leitor fica sem a resposta para ela, pelo menos de forma direta. Como na questão da bipolaridade, acredito que Breno tenha deixado as pistas nas entrelinhas para que o leitor identificasse as respostas. A outra questão foi a que leva ao desfecho. Seu desenvolvimento, para mim, foi rápido e repentino e não consegui identificar sua origem, já que os fatos anteriores são contraditórios a ela. Porém, deve-se levar em consideração que toda a história é contada sob o ponto de vista de Marta, ainda que essa só seja responsável pela narrativa em alguns trechos. Assim, tudo o que sabemos sobre a questão é o que Marta sabe, e só podemos supor algo a partir do que ela vê e sente.
De um modo geral, o enredo é simples e sem grandes acontecimentos. Vista superficialmente, e analisada sob a ótica popular, conta apenas uma parte da história de uma garota apaixonada, mesclada com características habituais das atitudes e do quotidiano de uma jovem adulta. O que enriquece a obra e a diferencia, além de ser seu foco, é a exploração do mundo interno da protagonista e a sua fundamentação teórica, além dos sutis recursos utilizados por Breno a fim de conduzir a identificação de alguns elementos e o próprio desenvolvimento da história.
Fiquei interessada pela leitura desde que vi o livro pela primeira vez e não me decepcionei em nada, mesmo com minha expectativa do que encontraria na história ter sido diferente do que ela realmente é. Só tenho a agradecer ao autor pela parceria e pela oportunidade de leitura. Alguns livros me conquistam pelos sentimentos despertados em mim enquanto os leio. Outros, como Marta, me ganham pelas análises possibilitadas pelo autor. O livro, apesar de explorar os sentimentos da protagonista, é um romance estritamente racional, como os romances Realistas o são, e mexe diretamente com essa parte do leitor.
Havia um bom tempo que não fazia uma resenha tão longa, como era de meu costume. Peço desculpas se me alonguei demais, mas foi impossível não dizer tudo o que disse, e acho que, ainda assim, não falei tudo o que seria possível. Também acho que me distanciei da análise da história em si e de seus personagens, mas acredito que essa não seria a análise mais adequada, considerando todo o racionalismo e as sutilezas da obra.
Espero que tenham gostado e se interessado pelo livro, é uma leitura que certamente vale à pena. Apesar de ser rápida (o livro tem apenas 216 páginas) e fluida, é, também, densa em seu conteúdo, portanto não espere um livro leve, apenas para passar o tempo.
E fiquem espertos! Logo terá novidades sobre o livro por aqui e, quem comentar na resenha, terá vantagem! #FicaDica
Beijos!

Somente aos que já leram o livro: O Breno tem uma página em seu blog que traz alguns esclarecimentos sobre a bipolaridade e respostas a algumas perguntas frequentes sobre Marta. Apesar de não conter spoilers, é mais interessante aos que já leram para que a visão da obra não seja previamente influenciada por esse texto! Para quem quiser ler, segue o link aqui.





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22 Respostas para "[Resenha] Marta – Breno Melo"

Esmalte de Morango - 27, outubro 2011 às (20:34)

Nossa Mi esse livro deve ser maravilhoso!
Acho legal o autor explorar essa area da bipolaridade.
É ótimo quando agente se interessa por um livro assim, logo de cara e ele não decepcionar né?

ps. adorei que você colocou as cores da capa nos quotes!
Beijão
http://manialiteraria.blogspot.com/F

Sofia - 27, outubro 2011 às (20:51)

Esse é um livro curioso… E com certeza de despertar o interesse no leitor…
Parece um livro reflexivo, e isso é sempre bom.
O assunto abordado é fantástico e diferente! (bem não tão!!)

Gostei do “tipos de leituras possíveis” isso é completamete estimulante, e interessante!
Bem, Mi… Gostei demais da resenha, e espero que muitos (inclusive eu) tenham a oportunidade de lê-lo

Beijos

Sofia
Lendo de Tudo

Mel Francis - 27, outubro 2011 às (22:02)

Olá, Aione.

Nossa, adorei sua resenha, como sempre muito bem escrita.
Não conhecia este livro, mas com certeza fiquei com muita vontade de ler, principalmente porque achei o tema bem diferente.

Vou colocar na minha lista de leitura, que por sinal está enorme.
Valeu a dica.
Beijos.

Natalia Dantas - 27, outubro 2011 às (22:39)

Não conhecia o livro, mais me surpreendeu!

demais 🙂

Beijos:*
Natalia.
http://musicaselivros.blogspot.com/

Igor Gouveia - 27, outubro 2011 às (22:56)

Mi(:

Mais uma vez adorei a sua resenha. O livro parece que tem um assunto conhecido, mas nada clichê. Realmente a bipolaridade é assunto bem flexível que dá para trabalhar em diversas vertentes. Eu fico impressionado com a criatividade dos autores, pois só olhando a capa não tiraria essas conclusões após ler a sua resenha. A trama parece sim ser bem construída e fiquei com muita vontade de ler o livro.

Parabéns pela resenha, amei.

Abraços! (:

Marcelo Lima - 27, outubro 2011 às (23:31)

mmm… acho que esse livro não me agradaria .porém sua resenha está mara ! Muito boa Mi. Até deu vontade de dar uma espiadinho no livro”)

Ana L. S. Castro - 27, outubro 2011 às (23:46)

Amiga,

adorei sua resenha. Muito bom ler sua análise sobre o livro, fiquei muito interessada em ler.

beijos

Pabline - 28, outubro 2011 às (01:02)

Que interessante essa narrativa do autor. Foi justamente assim que Machado de Assis me conquistou. Parece que o autor está contando aquele livro exclusivamente para nos. Nos deixa mas conectados a história.
Muito legal envolver o tema da bipolaridade.
Pois é, voltou a sua velha maneira de fazer resenha, grandes e perfeitas. Como só vc faz XD
Certamente com sua resenha, fiquei imensamente curiosa.
BJ Aione!

http://amigasentrelivros.blogspot.com

Lucas Martins - 28, outubro 2011 às (02:09)

Nossa, Mi! Ficou excelente a resenha, não me importo se você se prolongou um pouco mais… O que importa é que o livro é bom, né? Fiquei suuuuuper curioso desde você mostrou ele antes, a história parece fascinante. Achei muito legal este assunto, gosto de temas assim, que não são “para passar o tempo”… Gosto muito de me envolver a fundo com a história!
O livro foi para o topo da lista de compras de literatura brasileira, e espero lê-lo e apreciar como você apreciou.
Bjão!

Eduarda Menezes - 28, outubro 2011 às (05:13)

Mi, ótima resenha pra variar!
Despertou-me uma curiosidade imensa para ler o livro. Parece ser uma leitura rica em significados e bastante reflexiva! Difícil o livro agradar 100% – visto aquelas coisinhas que vocês desgostou um pouco mais ao final – mas apenas aqueles pouco que o fazem tornam-se os nossos preferidos o que não é o caso, porém Marta parece-me uma leitura de conteúdo, uma leitura para se mergulhar de cabeça e explorar diferentes facetas e possibilidades, ou seja, adorei! O autor está de parabéns! Ah e não sabia que era ambientada na Argentina!

Beijos!
Ps. Adoro as resenhas grandes hehehe! ^^

Paulinha (Louca por Romance) - 28, outubro 2011 às (12:45)

Nossa, Mi, eu não sei nem o que falar…
O livro parece ser muuuuito bom!
ai, eu vou querer ler =D

;**

Nessa - 28, outubro 2011 às (14:28)

Oi Mi!
Eu não conhecia este livro, e a capa não me atrai, mas pelo que vc diz me deu curiosidade e muita vontade de ler este livro! Por isso não devemos julgar o livro pela capa=)
bjinhs
http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com/

Priscilla Duhau - 28, outubro 2011 às (17:36)

Gente! Fiquei SUPER interessada pelo livro! Um livro que explora a bipolaridade dessa maneira singular como você descreveu merece toda a atenção!
Aliás, que puta resenha bem escrita, hein Mi? (desculpa pelo palavrão) Mas é porque ela tá sensacionalmente boa. Não que as suas outras resenhas também não sejam, mas essa tá de tirar o fôlego.

Assim que vi essa capa já fiquei curiosa. Infelizmente ou felizmente eu conheço de arte suficiente pra ter visto logo de cara que essa capa é uma parte de uma das obras de Van Gogh. Agora a curiosidade só aumentou querendo sabe o que será que tem a ver Van Gogh e essa obra com a história do livro? Ai ai, você me mata… haha

Enfim, como você disse: livros que nos trazem a possibilidade de fazer análises mais profundas como essa que você fez, são ótimos livros!
Mais uma vez parabéns pela resenha! o/

Beijão ♥
Priscilla Duhau
Livrificando

Sora Seishin - 28, outubro 2011 às (17:52)

Oi Aione!
Eu já tinha lido resenha desse livro em outro blog e não tinha ficado interessada… Mas o jeito que você escreveu, me deixou curiosa e com vontade de ler. Por isso que adoro ler blogs e opiniões diferentes sobre a mesma obra.
Beijos,
Sora – Meu Jardim de Livros

Alinne - 28, outubro 2011 às (18:27)

Esse é a segunda resenha que leio desse livro e só vez aumentar mais as minhas expectativas quanto a obra!Parabéns pela resenha Mi.
Ah de nada pela cartinha e fico feliz que tenha gostado da surpresa.Também adorei o kit do The Five.
Beijos.

Books e Desenhos

Bih Lima - 28, outubro 2011 às (22:40)

Eu não conhecia o livro, mas fiquei bastante interessada, tipo, amo esses assuntos meio psicologia…
Ótima resenha!
Primeira vez no blog!
Beijosss
Bianca,
Book Mania
http://bookmaniablog.blogspot.com/

Van Castro - 29, outubro 2011 às (15:48)

Sua resenha ficou ótima, e o livro deve ser também bem interessante também! Parece ser uma leitura diferente, mas isso é muito bom para quem gosta de variar!
Achei legal você colocar trechos do livro pra gente ver como é a leitura!

E eu posso confirmar que você realmente ficou grudada nas últimas páginas do livro, porque não aguentou nem esperar o intervalo e teve que ler o final do livro bem no meio da aula! Hahaha 😀

Beijos

Julia G - 31, outubro 2011 às (16:36)

Mi, estava curiosa para ler a resenha desse livro. Muito boa, mesmo sendo longa, mas acho que analisa com profundidade todo o contexto em que Marta se encontra e o que passa. Mesmo não gostando muito de histórias mais psicológicas, fiquei curiosa para ler esse livro.

Beijos

Ana Ferreira - 31, outubro 2011 às (18:28)

Mi,

Acho ótimo quando você se alonga em suas resenhas, honestamente falando.
Essa de “Marta” foi uma das melhores que eu já lembro de ter lido aqui, senão a melhor. Fiquei com vontade de pegar o livro agora e começar a lê-lo até não poder mais, de verdade.
Primeiramente, muito me agradou o paralelo e a proximidade com a obra machadiana que, creio já ser do conhecimento de muitos blogueiros, encanta-me e inspira-me com fervor.
A narrativa de Breno soa realista, com ares cultos e de um profundo conhecedor do assunto e da literatura. Primeiramente, considero um grande desafio escrever a respeito da bipolaridade sendo sutil, deixando as perguntas e os questionamentos no ar para o próprio leitor. Depois porque para incluir trechos de Machado de Assis em sua obra o autor deve ter, no mínimo, uma linguagem rica e inteligente de modo que os séculos, por assim dizer, encontrem-se.
Lerei “Marta” apenas na semana que vem, mas posso dizer que, com sua resenha muito bem redigida, será um prazer.

Beijinhos,
Ana – Na Parede do Quarto

Francyelly Moura - 16, novembro 2011 às (20:16)

Olááá
Bom, infelizmente, não me interessei por esse livro =/ Não sei se pela linguagem ou pela fundamentação teórica, o livro não me chamou atenção, o que é estranho até para mim que sou apaixonada pela psicologia, e a bipolaridade no caso. Acho que se o autor se resumisse apenas a doença e o romance o livro seria mais agradável.
Desculpe, é minha opinião, mas a resenha está perfeita!

Nathália Oliveira - 17, novembro 2011 às (23:40)

Mi, que graça né! Sou nova por aqui, mas mesmo assim, amei o seu blog! Está de parabéns, e estou bastante curiosa para ler este livro, um beijão e sucesso pra você :*

Mariana Ribeiro - 05, dezembro 2011 às (22:06)

Olá, Mi!
Adorei a sua resenha!!
Fiquei curiosa para acompanhar a história, achei interessante a proposta do autor em abordar os aspectos psicológicos como a bipolaridade. Espero poder participar sim, obrigada pelo convite!
Bjos.

Mariana Ribeiro
Confissões Literárias.

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